quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Carta à Mãe

Para ler ouvindo – Exit music (For a film) – Radiohead
Money – Pink Floyd

(Texto arquitetado hoje afim de causar reflexão pseudo treinando carta argumentativa para o vestibular. Espero que goste)

Campinas, 30 de agosto de 2019.

Oi mãe, tudo bom? Faz um tempo que não escrevo, eu sei. Mas ignore o fato por favor, você sabe como a vida é corrida. Afinal, dar aula durante o dia, fazer mestrado a noite e ainda arrumar tempo para escrever ir às minhas baladinhas queridas não é fácil. Mas pelo menos estou fazendo o que quero. Mais uma vez lhe agradeço ao apoio que me deu durante toda minha vida, sempre trabalhando três períodos para me dar bons estudos mas ao mesmo tempo me dando a consciência de que a vida não é fácil e temos que nos adaptar a ela. Fico feliz por agora você finalmente ter conseguido realizar seu sonho de ir morar em uma cidadezinha do interior, tendo seu sítio para criar suas plantas. Nas férias vou te visitar. Apareça aqui em Campinas também, faz tempo que a gente não toma uma cervejinha juntos.
Mas vamos ao que interessa. Hoje um fato me chamou muito a atenção. Estava dando aula de gramática naquele cursinho que trabalho como voluntário e quando estava chegando na aula, notei aqueles comentários clássicos sobre um garoto meio parecido comigo. É um bom garoto, inteligente, quase esforçado, mora no Taquaral, perto de onde morávamos, estudou em escola particular e agora está fazendo cursinho aqui porque seu pai não tem mais condição de pagar um cursinho para ele (a crise continua brava....). O pessoal falava que ele era filhinho de papai e ele aparentemente tinha vergonha de morar onde mora. E isso me lembrou MUITO de minha adolescência.
Lembra de quando eu, no primeiro colegial fui estudar na Escola Estadual Adalberto Nascimento? Aquela mesma, entra burro sai jumento. Já tinha meu discurso pronto, estudei em escola particular porque tinha bolsa e saí de lá pois a bolsa acabou e tinha de fazer cursinho pré-técnico (o que nunca foi mentira). Na minha visão de 14 anos, ainda perdido com a vida, pensei que iria encontrar jovens favelados analfabetos querendo educação. O que encontrei? Jovens desocupados, que não estudavam, ficavam a aula inteira mexendo nos seus celulares coloridos, exibindo seus tênis e agasalhos caros. E não pensavam duas vezes antes de me pagar para fazer trabalhos ou passar cola.
E quatro anos depois, quando fui fazer estágio em Hortolândia? As faxineiras faziam um escândalo porque eu morava no Taquaral e elas, em Hortolândia. Mas o choque maior foi quando eu estava fazendo meu trabalho, excepcionalmente braçal no dia. Estava com um pé de cabra abrindo uma caixa de madeira e elas tem a moral de comentar: Nossa, filhinho de papai também sabe por a mão na massa?
EU? FILHINHO DE PAPAI? Essa é boa. Vamos fazer uma recapitulação básica. No Adalberto Nascimento TODOS tinham celulares, roupas, tênis mais caros que o meu. Ninguém se importava em estudar nem nada. Ficavam apenas sugando o dinheiro de seus pais e morando em seus bairros super longínquos. Não se importavam de pegar 100 reais dos pais e gastar na baladinha e eu quando comprava um jogo para meu Game Boy super economizando minha mesada era chamado de riquinho.
A mesma coisa reparei no estágio. Quem você acha que é o mimado? O que sai de casa 6 da manhã, viaja 2 horas até o trabalho, sai de lá e tem aulas até as 10 da noite e está quase formado técnico em mecânica e não ganha nada de natal, OU o que só faz o ensino médio normal, não pensa em técnico, faculdade, briga com a mãe e ganha um MP5 de natal? E como que eles tinham coragem de falar que eu era “vida boa”?
Vida “boa” é a deles. Se conformam com sub-empregos, moram em bairros distantes, ficam sempre sem dinheiro para as contas mas sempre compram roupas ou celulares. E tem o maior prazer de todos: fazer drama e pensar que sofrem muito mais que alguém como eu.
Quero ver se fosse você que tivesse de trabalhar três períodos igual você fez ou eu estou fazendo agora, mãe. Não que eu esteja reclamando, adoro minha rotina, adoro dar aulas, mas de “boa vida” não temos nada.
Essa é boa. Ter que se envergonhar por trabalhar duro e conseguir se sustentar! Saindo do cursinho encontrei o aluno, dizendo o mesmo argumento da bolsa de estudos que usei por muito tempo. Depois que ele se afastou dos outros disse para não ter vergonha de ter um pai trabalhador que pode pagar seus estudos e disse que no dia seguinte lhe daria um material de leitura adicional. Acho que o darei uma cópia adaptada dessa carta.
Gostei muito de lhe escrever, mãe. Espero que possamos nos reencontrar logo, você ainda me deve aquele bolo chique de chocolate meio amargo recheado com licor de laranja.

Beijomeliga
Do seu filho único mais lindo maravilhoso sexy educado inteligente e tudo de bom,
Ivan

3 freckledmaníacos.:

·caMM's disse...

AMEI *-* e verdade. as pessoas reclamam que não acontece nada pra elas, mas continuam estagnadas. me matei todo o ensino médio, fiquei na escola das 7 às 23h, mas VALEU A PENA. e vai valer mais ainda.

:D

Mari disse...

nossa, amei seu post! eu penso exatamente igual! eu tenho muitos amigos de condição social menor que a minha mas que tem coisas muito caras que as minhas! parece que as pessoas mais pobres cada vez ficam mais consumistas, isso me deixa muito brava!
voce escreve muito bem parabens!!
beijos

Adalberto Almeida disse...

Eu estudei no Adalberto Nascimento, logo, faço minhas as suas palavras.

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