sexta-feira, 31 de julho de 2009

Confissões de uma dama antiga

Eu não deveria ter estado lá. Não deveria mesmo.
Minha mãe me avisou que seria assim... Eu seria desprezada por uma sociedade machista e mesquinha. Mas o que eu podia fazer?
Escritoras não eram bem vistas na sociedade. Talvez esse fosse o motivo.

Eu não sei o que estava pensando quando caminhei decidida até o jornal, naquela manhã fria de setembro. O tipógrafo levou um grande susto ao me ver ali parada, de pé na soleira de sua porta.
Com certeza ele não estava acostumado a ver mulheres naquela saleta. Nenhuma saia-balão, pobre basbaque.
No entanto, lá estava eu. Uma mulher muito a frente de seu tempo, muito decidida. Ajetei o chapéu em minha cabeça e engoli em seco.
Não podia demonstrar nervosismo.
- Eu gostaria de lhe oferecer duas sacolas de ouro em troca da publicação de um poema. Não tenho nenhum tostão em moeda, mas trouxe todas as jóias que eu possuo.
O velho senhor levantou os olhos de sua máquina de escrever.
- Perdão?
Suspirei. Tinha certeza de que o arrependimento não tardaria a chegar. Mas minha vida já estava arruinada de qualquer forma, então não via motivo algum para continuar honrando o nome de minha miserável família, que pretendia me casar a força com um fazendeiro rico e muito mais velho do que eu.
Para princípio de conversa, tinha apenas 16 anos. Não que isso seja importante, dadas as circunstâncias.
- O senhor me ouviu muito bem. O poema se chama "O Amante", e eu espero vê-lo espalhado por todas as ruas de Paris até o Domingo.
O homem pigarreou.
- Devo presumir que a família da senhorita está ciente de sua irrecusável proposta? - Perguntou ele, com os olhos grudados nas duas pequenas sacolas cheias de ouro que pendiam de minhas mãos calçadas em luvas de renda.
Fiz questão de deixá-las bem a mostra. O dinheiro podia estar movendo o mundo, mas as jóias de uma dama ainda eram consideradas um grande investimento no século XIX.
- É claro que sabem. - Eu dei o meu melhor sorriso. - Estamos em 1910, meu caro senhor. É hora de uma revolução.
- A senhorita pretende usar algum tipo de pseudônimo? - Ele perguntou, inclinando-se para mim.
Hesitei.
É claro que o objetivo era exatamente que eu me revelasse. Mostrar o meu nome, para que Arthur soubesse, onde quer que estivesse, que eu não o esperava mais. Já não importava.
Não que fosse ser de grande ajuda. Eu duvidava de seu retorno, para ser sincera... Mas eu precisava ter certeza de que o recado fosse entendido.
Porque seria a última vez que ele ouviria o meu nome.
Ou talvez... talvez eu pudesse apenas insinuá-lo, de uma forma bastante convincente. Algo que ele notasse quando lesse.
Uma marca de minha personalidade, por assim dizer.
O velho senhor ainda me encarava, com seus grandes olhos azuis, por detrás dos óculos grossos e redondos.
- Escreva este nome, caro senhor. Creio que seja o suficiente.
Aproximei-me da mesa e peguei sua pena. Minha mão tremia, o que tornava a letra irregular e borrada.
Não que eu estivesse me importando com a caligrafia naquele momento.
Porém, quando se estuda durante seis anos em um internato na Inglaterra, nos tornamos potencialmente observadoras.
O homem arregalou os olhos ao ver o nome no papel.
- Gaston Leroux? - Ele franziu o rosto, incrédulo.
- É o nome do meu falecido irmão. O meu nome será mantido em segredo, até mesmo para o senhor.
Joguei as duas bolsas em cima de sua pesada mesa de madeira.
- Faça sua parte no acordo.
Virei-me e caminhei até a porta, determinada.
Nada no mundo poderia estragar aquele dia.
Eu havia acabado de fazer a maior loucura (e talvez a única) de minha vida. Mas essa era simplesmente eu: não podia ficar calada e esperar pacientemente pela minha primeira dança, ou por meu casamento, como a cálida moça que fui instruída para me tornar.
Eu era intempestiva, sem paciência, autoritária.
E era por isso que eu estava fugindo dali, naquela noite mesmo. As malas já estavam prontas, o cocheiro já estava pago, a hora estava marcada.
Era um novo começo em minha história.
Abri minha sombrinha de renda azul, enquanto atravessava a rua.
E foi então que ele esbarrou em mim.
Um grande amigo, que mudaria minha vida para sempre.

Continua...

1 freckledmaníacos.:

Anônimo disse...

Mandi, adorei!
Continua, continua!

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