sábado, 14 de novembro de 2009

Mais um conto sobre um breve encontro

A lama grudava na sola de suas botas bem polidas. O que ele estava fazendo em um lugar como aquele? Sim, é claro. Queria escapar da realidade medíocre de sua vida manipulada e sem sentido. Sem mais nem menos, uma sensação de enorme vazio tomou conta da alma de nosso pobre herói.
Ele fecha os olhos, passa a mão na nuca e respira fundo. Sair para tomar um ar no pequeno bosque talvez não houvesse sido uma má idéia, afinal de contas.
Só havia um problema: ao ficar parado, o jovem refletia. Queria mesmo ser advogado? Queria mesmo uma vida passiva, sem perspectiva de qualquer emoção ou aventura? O simples vestígio do pensamento o atormentava e tirava seu sono durante a noite. Talvez tudo não passasse de uma espécie de castigo, uma punição por ser um rapaz insolente e visionário em uma sociedade de valores arcáicos.
Seus pensamentos são interrompidos abruptamente pelo som de passos em sua direção. Ele apura os ouvidos, imediatamente desperto de seus devaneios. Quem estaria ali em sua companhia? Certamente o lugar não era muito frequentado. Poderia ser um ladrão, um vagabundo ou até mesmo um simples camponês que ainda vivia no bosque abandonado, em pleno ano de 1805.
Tamanha foi a surpresa dele ao constatar que se tratava apenas de uma jovem mulher. A saia de seu vestido azul marinho parecia dançar atrás de seus pés enquanto ela caminhava, ofegante e determinada. Seus cabelos escuros estavam presos em um coque perfeito e em sua cabeça era ostentado um belo chapéu de penas brancas (aparentemente caras). Suas mãos estavam cobertas por luvas de renda e seu rosto não era visível, visto que a moça encarava o chão enquanto andava.
Ela parou abruptamente em frente a ele. O rapaz mirou seus olhos azuis nos olhos castanhos da moça, e houve uma estranha conexão entre eles. Assim como ele, ela parecia estar perdida em seu próprio mundo, insatisfeita com o rumo de sua vida. Seus lábios grossos esboçaram um tímido sorriso, suas bochechas coraram. Ele retribuíu o gesto.
Aquele pequeno momento de compreensão valeu muito mais do que mil palavras. Porém, a intimidade foi quebrada quando ouviu-se o nome da jovem sendo clamado pelo bosque. Alguém a chamava. A moça olhou para baixo e recomeçou a caminhar, desta vez mais rápido. O rapaz suspirou pesadamente.
Os olhos dela eram tão misteriosos e escuros, enquanto os dele eram tão claros em cor e em emoção. Ele a observou indo embora (parecia flutuar sobre os sapatos cobertos de cetim) sem dizer uma só palavra. O que poderia acontecer se ele a parasse? A conheceria melhor, talvez. Em um segundo de puro delírio, ele imaginou-se entrando em uma igreja com ela ao seu lado. Imaginou como seriam os seus filhos, como seria ter uma vida em comum com alguém como ela.
Ela continuava se afastando, até desaparecer em meio às árvores. Agora ele jamais saberia o que poderia ter acontecido se ele houvesse apenas esticado sua mão e segurado a dela. O jovem virou-se e caminhou para o lado oposto, de volta à sua realidade mesquinha.
Os dois nunca entenderiam o quanto eram perfeitos um para o outro. Ele com a advocacia, ela escrevendo romances. Ele com o dom da palavra falada, ela com o dom da palavra escrita. O momento se perdeu, a oportunidade passou... Vidas poderiam ter sido mudadas.
Estou escrevendo isto porque encontro-me em uma época de escolhas difíceis. Um segundo pode valer por toda uma vida, enquanto certas vidas jamais serão melhores em sua totalidade do que um simples segundo. É tudo uma questão de escolher e se arriscar!

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